“Algum branco gostaria de receber o mesmo tratamento
dado aos cidadãos negros em nossa sociedade? Levante-se. Ninguém se levantou.”
Ninguém se levantará! Ninguém
quer sentir na pele, os golpes do preconceito. Ninguém em sã consciência vai
querer ainda que por alguns momentos, “calçar o sapato” do negro, do
homossexual, do índio, do portador de necessidades especiais e demais grupos
estigmatizados.
“Olhos azuis, a dor do
preconceito” me fez repensar as
práticas dessa sociedade que seleciona as pessoas pela sua aparência física,
classe socioeconômica, crenças, valores. Uma sociedade que divide as pessoas em
boas e más, bonitas e feias, superiores e inferiores, pobres e ricas,
valendo-se de critérios subjetivos e pré-definidos, os quais podem ser chamados
de ridículos, pois estão baseados em fatores nos quais não temos nenhum
controle. Ninguém pode pré-determinar a quantidade de melanina que seu
organismo irá produzir ou em qual família irá nascer.
Há alguns meses, assisti ao
filme, Preciosa - Uma História de Esperança. Preciosa é uma menina de 16
anos, que sofre uma série de privações durante sua juventude. Violentada
sexualmente pelo pai e contaminada pelo mesmo com o vírus do HIV e explorada pela
mãe, ela cresce irritada e sem qualquer tipo de afeto. O fato de não ter
dinheiro e ser gorda não a ajuda nem um pouco, muito pelo contrário, são
motivos que aumentam seu sofrimento. Além disso, ela tem um filho portador de
síndrome de down, apelidado de "mongó". Quando engravida pela segunda
vez, Preciosa é suspensa da escola. A sra. Lichtenstein consegue uma escola
para ajudá-la lidar com suas adversidades. Nesta escola, ela encontra um meio
de fugir de sua existência traumática, refugiando em sua imaginação.
Não consigo esquecer a cena, em
que Preciosa fica em frente ao espelho e se enxerga loira, com olhos azuis e
com cabelos lisos. Quais de nós, mulheres negras, nunca buscamos/desejamos
ainda que, inconscientemente, tais características ou similares? E por que
fazemos isso?
“Para ter algum sucesso
nessa sociedade, as pessoas de cor tentam agir como brancos”. “Assimilar é
imitar o máximo as pessoas que estão no poder”.
É curioso quando as pessoas
falam que não existe preconceito racial no Brasil ou que, este é sutil. Não é!
Não é! As práticas racistas são bem nítidas. Pode não aparecer para as pessoas
que não o sofrem, ou para aquelas que não são preconceituosas. Mas, para os
negros ele está bem vivo e pode ser reconhecido em cada esquina, gesto,
olhar... E se demonstramos
qualquer insatisfação somos logo taxados de “politicamente corretos”. Ou seja,
um negro questionador é sempre um negro ofendido, que não se aceita,
problemático...
O racismo está tão vivo quanto
séculos atrás. Está presente nas igrejas, nos currículos adotados pelas escolas
de educação básica que resistem em incluir disciplinas de história da África e
afins em suas propostas curriculares, está latente nas universidades, vide o
número de negros cursando mestrado e doutorado, nos livros, filmes, novelas e
imagens tendenciosas, como bem pontua Jane Elliott, em seu documentário olhos
azuis, a dor do preconceito.
Recentemente, ouvi uma
professora de pele e olhos claros dizer que, o dia da consciência negra não
precisa ser comemorado nas escolas, por que o negro já tem o seu dia: 13 de
maio. Intolerância?! Ódio racial (étnico)?! O que alimenta a postura desta
“educadora”? Como está a autoestima dos seus discentes negros?
Talvez, não seja mesmo
necessária esta homenagem obrigatória, nem em um dia nem no outro. As lutas e
as conquistas dos grupos marginalizados precisam estar presentes nos currículos
escolares em condições de igualdade. Mas o que presenciamos e somos forçados
vivenciar é uma história etnocêntrica e que de alguma forma exalta a exploração
do homem pelo homem, o que resulta em uma sociedade marcada por uma herança
escravocrata.
É lamentável cursarmos toda
educação básica e superior e não ouvirmos nossos professores mencionarem nomes
como Nelson Mandela, Martin Luther King, Malcolm-X, Antonieta de Barros, José
do Patrocínio, Abdias do Nascimento, Milton dos Santos, dentre outros. A
ideia que se tem é que a história é inerte, morta.
Seria audacioso pedir que a
história da humanidade seja recontada, reescrita nos livros didáticos? Acredito
piamente que ninguém nasce racista, preconceituoso. O racismo é orientado,
ensinado, repassado.
O problema ou parte dele pode
estar lá, na fase pré-escolar, quando somos “programados” para associarmos o
termo negro a algo ruim, feio, tenebroso...
(...)
“Amamos
as cores em nossas árvores, mas não queremos cores em nossa pele”. (Jane Elliott)
Revisado por Alex Sandro Franco